EXPERIÊNCIA EM XINGUARA – PA NOV 2011


Ao relatar as atividades realizadas na cidade de Xinguara PA nos dias 03, 04 e 05 de novembro de 2011, pretendo gerar um material que sirva como norteador para outras atividades similares, bem como registrar os ganhos obtidos com esta parceria proporcionada pelo Programa Mais Educação coordenado pela professora Ana Maria Barros Medrado.
A oportunidade de estar em contato com profissionais de educação desta cidade surgiu quando a professora Cristiane Pereira Coelho profissional atenta, sensível, comprometida com as causas educacionais buscou através de mecanismos de pesquisa virtual, conteúdos que pudessem contribuir com suas ações. Nestas buscas, Cristiane encontrou este blog e se interessou pelos conteúdos, julgando-os importantes para os profissionais das escolas atendidas. Entrou em contato comigo solicitando uma assessoria, uma visão particular sobre as minhas experiências com a dança, sobretudo na escola. Os e-mails e informações compartilhadas levaram-nos a estar juntos durante três dias, trocando experiências práticas de dança, corpo, pintura, teatro, política, economia e acima de tudo educação.
Para contribuir com as ações do Programa, escolhi o curso Dramaturgia Corporal, onde crio uma oportunidade para que os participantes possam descobrir diferentes formas de investigar seus potenciais corporais, ampliando o leque de experiências para o bom desempenho de suas performances. Além da função didática o curso possibilita a troca de idéias acerca do futuro do corpo, das oportunidades de trabalho, da reciclagem de conhecimento, dos projetos engavetados, da transdisciplinaridade, do poder expressivo e da atualização dos seus conhecimentos específicos da área, contribuindo com o trabalho docente já desenvolvido. Os conteúdos foram programados, porém, como na arte, o imprevisível dos encontros e desencontros desta vivência, nos apresentou outras formas do fazer dança na escola. A diversidade de corpos, de idéias, de áreas, de idades e realidades trouxe-nos a necessidade de buscar uma demanda que nos unisse e elegemos então a diferença como eixo do encontro, um assunto importante que merecia aprofundamento.



No primeiro dia, encontrei uma sala de aula rodeada de cadeiras vermelhas onde os participantes encontravam-se sentados num clima animado, trocando idéias com olhares curiosos. Já percebi que seria uma experiência muito interessante, pois aquela euforia em breve transformar-se-ia poesia através das propostas de movimentos. Homens e mulheres, professores de português, educação física, dança, teatro, capoeira dentre outras áreas, um grupo perfeito para se trabalhar as dinâmicas artísticas propostas pela oficina. No primeiro momento, pela manhã alguns ainda não estavam vestidos para uma aula de dança, mas pela minha experiência, sei que este ato serve como desculpa para muitos tímidos primeiro assistirem ao trabalho e depois em outro momento decidirem se permanecem ou não na oficina, ou pedirem somente para assistir às aulas, dentre outras alternativas eleitas para não expor seus anseios dançantes. Mesmo com as roupas inadequadas, muitos tentaram ainda fazer as aulas práticas, percebendo a dificuldade de realizar os movimentos. No período da tarde as roupas eram mais leves e flexíveis, os corpos mais livres, colunas eretas, olhares ainda mais curiosos à espera de novos conteúdos e estímulos para criar, mover, expressar, relaxar, extravasar, aprender, trabalhar.
Durante todo o dia e em todas as atividades nos mantemos em conjunto. Um dos conteúdos abordados foi a necessidade de um bom condicionamento físico antes de qualquer atividade de dança, alguns participantes ainda tímidos não queriam participar, propomos exercícios condicionantes, relaxantes, de alongamento e fortalecimento no lugar onde estavam, ou seja, sentados nas cadeiras. O condicionamento focava nas articulações, na necessidade de criarmos mais espaço entre um osso e outro, entre o osso e a carne, entre uma fáscia e outra, entre a carne e a pele, entre a pele e o outro. Primeiro trabalhou-se partes isoladas, que mais facilmente podiam ser movidas na posição sentada, tencionando e relaxando, contraindo e chicoteando, rápida e lentamente. Aos poucos estes movimentos foram se acumulando e em pouco de trinta minutos já tínhamos toda sala em movimentos subjetivos, interagindo com as cadeiras, contagiados pelos movimentos dos outros apreciados na roda. A estética criada contribuiu muito para que a aula tornasse atrativa para todos. Numa boa aula os participantes se percebem e não somente se assistem como platéia ou pelo espelho, mas é fundamental que a turma sinta-se um só corpo.
Logo após este aquecimento, podemos observar a necessidade de acionar a musculatura abdominal em todos os movimentos, que para se ter mais fluidez e precisão na dança é preciso que todos os movimentos partam do tronco, seja das costas, abdômen, umbigo, músculos oblíquos.
 Até então eu não sabia o nome de ninguém, pois gosto de deixar claro que meu trabalho é prático e me incomodam algumas oficinas em que nós passamos uma hora falando nomes, o que fazemos, o que esperamos, etc. Para não perder tempo, parado numa aula de dança, gosto de aplicar exercícios simples onde usamos nosso próprio nome como estímulo, pois desta maneira podemos criar a partir de um estímulo pessoal, de auto descoberta e de expressão do que somos e do que pensamos de nós mesmos, além de aprendermos logo o nome de toda a turma de maneira lúdica e dinâmica.
Arte do latim ars, significa técnica, e a técnica aperfeiçoa nossas relações com o meio. Quanto mais praticamos uma determinada ação do dia a dia ou profissional como estudar, cozinhar, plantar, montar e desmontar aparelhos, salvar vidas, cuidar, etc. mais experientes ficamos e mais técnica obtemos. Em se tratando da arte uma forma de comunicação, quanto mais praticarmos as artes mais experientes em nos comunicar nos tornamos. Em todo ambiente que vivemos, utilizamos termos técnicos a serem memorizados para tornar a comunicação mais eficiente. Pensemos também em como surgem as gírias, a poesia, o sotaque, etc. Se na dança nos comunicamos com o corpo, também temos que alfabetizá-lo, de uma maneira técnica, por isso como qualquer outro processo de aprendizagem a comunicação corporal precisa ser praticada. Em muitos casos, os termos técnicos da dança se assemelham aos da empresa, do artesanato, da vida emotiva e espiritual como equilibrar, cair, levantar, rodar, pesquisar, articular, transcender, etc.
Refletindo sobre as terminologias, sobre o sistema nervoso somático, sobre a alfabetização, sobre metáfora dentre outras áreas relacionadas à comunicação, chegamos à conclusão que quando uma criança, por exemplo, aprende na aula de dança o sentido de equilíbrio e depois ouve esta mesma palavra nas aulas de química, ela já passa a perceber o conteúdo da química em todo o corpo e o conteúdo da dança na ciência, mesmo que não pontuemos essa relação. Mas, o mais interessante de pontuar estas analogias é que o aluno de dança passa a dar mais valor ao seu próprio corpo e a compreender e a aceitar esta disciplina artística como fundamental para um pleno desenvolvimento da comunicação não verbal. Na dança mais do que passos, realizamos ações. Vejamos algumas ações básicas de movimento utilizadas por um dos mais importantes nomes da dança do século XX, o coreógrafo dançarino austro-húngaro Rudolf Von Laban: socar, talhar, pontuar, sacudir, pressionar, torcer, deslizar, flutuar, bater, chicotear, etc. são movimentos do dia a dia e também são movimentos de dança.
Como muitos trabalham, trabalharam ou trabalharão com alfabetização, apresentei a Técnica Letra da Dança que também é um jogo instigante que suscitaram em muitos as sensações de reaprendizagem. Revivemos o nosso letramento com o corpo, porém com outro corpo, com outros desafios, outras idéias.
Após trabalharmos com nosso próprio, partimos então para o outro. Observar o outro, imitá-lo, traduzi-lo, pesquisá-lo, discuti-lo, compará-lo, acompanhá-lo, caricaturá-lo, homenageá-lo. Percebam que estas repetições de palavras que venho utilizando em vários momentos do texto, são cada uma, propostas que dariam estímulos para uma aula inteira. Para descontrair os mais tímidos, escolhi as caricaturas que são uma deliciosa maneira de movimentarmo-nos, de interpretarmos, de divertimo-nos. Corpos animados em cena, corpos surpreendentemente sorridentes observando, foi sem dúvida uma escolha muito feliz, a turma se identificou muito com a pesquisa e a partir de então a dança começou a fluir. Cardumes, revoadas de dançarinos espalharam-se pela sala, olhando nos olhos, tocando o outro, guiando, puxando, estimulando, encorajando, interagindo e acima de tudo trocando. A dança foi apresentada com alternativas que encontramos facilmente na escola como recorte de papel, tinta, música, percussão em objetos, diálogos, situações do cotidiano, massagem todas as atividades em diferentes ritmos e espaços dentro de uma sala de aula.
A mostra estava marcada para ser apresentada ao fim do terceiro dia de encontro, em praça pública num evento chamado FECOM'ARTE destinado a centenas de pessoas vinda de toda cidade e arredores. Obviamente que a mostra não foi obrigatória, pois entendo que o trabalho artístico deve ser voluntário, mesmo na escola. Certamente há pessoas que não se identificam com a exibição cênica dos seus movimentos e nós professores temos que ter a sensibilidade para entender essa opção, incluindo este aluno em outras atividades tão importantes quanto a apresentação como a criação e produção do figurino, maquiagem, cenário, trilha sonora, a crítica através da produção de resenhas para jornais, sites e revistas, a produção geral, a contra-regragem, os ensaios, etc. Até uma obra coreográfica ir para o espaço cênico e ser mostrada ao público, é importante que seja refletido sobre a escolha de cada item acima listado e que hajam pessoas diferentes a cuidar de cada demanda. Com uma equipe maior, com tarefas divididas para os voluntários de acordo com suas habilidades, o professor garante o sucesso da intervenção, pois serão muitas cabeças pensando em que se aproximar ou distanciar durante a criação, gerando um trabalho com informações complexas e ao mesmo tempo comuns a todos da turma, escola, bairro, associação, cidade, etc.
Como o tempo na escola é muito curto, os eventos geralmente grandes e os conteúdos programados precisam ser passados e aprofundados, precisamos saber tirar o máximo daquilo que já possuímos no momento de criar as coreografias. Tirar o máximo aqui cabe tanto para os recursos materiais quanto imateriais, ou seja, ficar atentos aos recursos disponíveis para a confecção dos figurinos, trilha sonora e cenário (algumas vezes nem temos tais recursos disponíveis) para que possamos criar algo que esteja dentro da realidade e também aproveitar os temas abordados na escola, nas aulas anteriores para que estes estímulos já trabalhados possam colaborar com a construção da dramaturgia da coreografia com consciência dos participantes quanto aos subtextos e metáforas empregadas.
 No nosso caso não foi diferente, pois usamos todos os conteúdos abordados desde as atividades do aquecimento à criação, utilizamos nossas roupas comuns do dia a dia elegendo a cor vermelha como unidade, deixando aberto que cada participante pudesse soltar a sua imaginação e também tirasse o máximo do que já possuía dentro do contexto. Como objeto cênico optamos pelas cadeiras de plástico que pareciam ter ímans a atraí-los entre uma atividade e outra e é normal que outros objetos e espaços atraiam nossos alunos. Estes meios escolhidos como refúgio para a timidez é um verdadeiro poço de material sensível reciclável, pois é naquele cantinho, ou naquele objeto que o aluno se sente seguro, confortável e a partir dele pode disponibilizar mais de si para as atividades propostas. Por isso dizemos que aquele formato de dança onde os maiores ficam atrás, os menores na frente, em fileiras e jogos espaciais bem definidos pode não funcionar de acordo com suas intenções, pois é preciso que o dançarino sinta-se a vontade dentro do seu personagem, dentro das propostas executadas para que ele possa ter também espaço para pensar além da proposta e oferecer mais de si.
As cadeiras vermelhas escolhidas formaram uma extensa matéria sintética a interagir com os corpos, onde braços, pernas, mãos, troncos e cabeças disputavam os espaços entre uma e outra. A movimentação tornou-se livre e a cada momento um participante propunha coisas interessantes que era quebrado por outra proposta e a dinâmica brincante tomou conta da sala. As cadeiras vermelhas na praça, mais pareciam um grande dragão com tentáculos e fogo a abordar os espectadores. Primeiro nos maquiamos na praça, abertos ao público em um ambiente mais distante para não concorrer com as atrações que ocorriam no palco. Quando fomos anunciados nos colocamos entre o público na frente do palco onde os espectadores também estavam dispostos a espera da cena. Surpreendidos com a dança em meio à praça, o público sorria desconcertado sem saber ao certo o que ocorria e o que deveria fazer naquela situação. Contaminados com o sorriso do público os participantes também criaram entre si um clima descontraído e de apoio um ao outro, olhando nos olhos, ocupando os espaços vazios, interagindo, dialogando um com o outro executando todas as propostas que foram trabalhadas em sala de aula. Três aplausos em cena aberta, o que não é comum nos eventos da praça, segundo informações de vários espectadores logo após a apresentação. O público atraído foi o mais variado possível como um reflexo da diversidade que viam. Aqueles que optaram por não dançar ficaram com água na boca.
As idéias de dança geradas, num caráter de missão não foram herméticas, não passaram por caminhos óbvios. Estas idéias foram impressas a partir da construção de imagens com as cadeiras como um brinquedo de montar peças que sugeriram movimentações sinuosas, em grupo e assimétricas. Enquanto o público circulava pela feira, o grande brinquedo vermelho desenvolvido propunha ações rítmicas, melódicas, de estilos diversos, de maneira lúdica adequadas às necessidades daquele ambiente familiar. Os pais, vizinhos e irmãos mais velhos, também foram inseridos e perceberam a necessidade de manutenção deste tipo de atividade, “... cada vez mais substituído por situações que antes favorecem a reprodução mecânica de valores impostos pela cultura de massas em detrimento da experiência imaginativa.” (PCNArtes)
Muito obrigado a todos que participaram da oficina, aos responsáveis direta ou indiretamente para que este encontro pudesse acontecer, aos parentes e amigos que foram para a praça prestigiar o trabalho e principalmente aqueles empenhados em dar continuidade às nossas atividades de dança que trouxeram idéias interessantes de transformação, superação e imaginação para o povo de Xinguara.
Toda viagem e ou experiência é transformadora e comigo não podia ser diferente, voltei outro de Xinguara, digamos que a maior mudança em mim ocorrida se deu no sentido da minha profissão: as pessoas que conheci, o meu contato com as atividades que exercem, me fizeram voltar mais militante do que professor.
Fica aqui uma dica interessante de leitura para dar continuidade!

Até a próxima!